Maria é mãe de Deus (Theotókos)?
No tópico “Breve resumo de heresias católicas (P4)”, eu expus, dentre outros temas, o do dogma católico mariano de que Maria é “mãe de Deus”. Na caixa de comentários, algumas questões foram levantadas, tais como:
1º Se Nestório cometeu heresia e por isso foi condenado pela Igreja.
2º Se Lucas 1:43 constitui uma base ou afirmação de que Maria seja mãe de Deus.
3º Se existem evidências históricas remetentes aos apóstolos de que Maria seja mãe de Deus.
Irei, portanto, resumir cada um destes três pontos abordados.
Sobre a primeira questão, não, Nestório não era um “herege”. Ao contrário, ele tentou restaurar o princípio bíblico de que Maria é “Christotokos” (mãe de Cristo), enquanto havia pessoas que ensinavam que ela era “Theotókos” (mãe de Deus). Para ele, a questão não era tão simples quanto dizer que (1)Jesus é Deus; (2) Maria é mãe de Jesus; então (3) Maria é mãe de Deus. Prova disso é que, usando silogismos semelhantes, poderíamos concluir que Jesus “pecou”, pois (1) todos os homens pecam; (2)Jesus foi homem; logo (3) Jesus pecou. É óbvio que as Escrituras afirmam que Jesus foi sem pecado, mas um silogismo semelhante ao utilizado pelos católicos poderia nos demonstrar o contrário.
Além disso, eles se utilizam de outros silogismos semelhantes, para provar igualmente os outros dogmas marianos. Por exemplo: (1) O puro não pode nascer do impuro; (2) Jesus era puro; portanto (3) Maria é imaculada. Se lermos Jó 14:4, vemos que a premissa nº 1 está correta. Contudo, isso não significa que a conclusão (3) é certa, visto que, por essa mesma lógica, Maria (pura) também não poderia nascer de alguém impuro; logo, pelo mesmo silogismo chegamos à conclusão de que a mãe de Maria também é imaculada.
Mas não para por aqui. Se a mãe de Maria é imaculada e o puro não pode nascer do impuro, então a avó de Maria também é imaculada. E assim por diante: bisavó, tataravó... até chegar em Eva... todos sem mácula! É evidente, portanto, que aqueles que chegam à “conclusão” de que Maria é mãe de Deus pelo simples silogismo demonstrado acima incorrem na mesma falácia apresentada nos outros pontos.
Além disso, silogismos semelhantes ao utilizado pelos católicos também podem ser usados para se voltar contra eles mesmos. Por exemplo: (1) Maria não é mãe do Pai; (2) O Pai é Deus; logo (3) Maria não é mãe de Deus. E também: (1) Maria não gerou o Espírito Santo; (2) O Espírito Santo é Deus; portanto(3) Maria não é mãe de Deus. Curiosamente, os silogismos utilizados pelos fanáticos marianos voltam-se contra eles mesmos quando os analisamos cuidadosamente.
E era exatamente essa a questão que Nestório abordava: dizer que Maria é ou não é mãe de Deus não é tão simples assim quanto aquele silogismo, mas devemos entrar em termos mais profundos se quisermos chegar a uma conclusão mais segura. Pois, aparentemente, não há qualquer problema com o silogismo católico; porém, quando analisamos mais de perto, descobrimos como Nestório que:
(1)Só se é mãe daquilo que gera.
(2)Maria não gerou a divindade de Cristo, mas a humanidade.
(3)Logo, Maria é mãe de Jesus enquanto homem, e não de Deus.
Em outras palavras, Maria é mãe somente da humanidade de Cristo, e não de sua divindade, que já existia muito antes de Maria. Logo, a conclusão que chegamos é que Maria é mãe de Cristo (Christotokos), e não mãe de Deus (Theotókos), como dizem os católicos.
Sobre Nestório ter sido acusado de “heresia” pelo Concílio de Éfeso (431 d.C), devemos, em primeiro lugar, ressaltar que a infalibilidade não provém dos concílios, mas da Bíblia. Se os concílios fossem infalíveis e inerrantes, então não haveria discussão sobre quais são os concílios válidos, pois todos seriam válidos igualmente. Prova disso é que os católicos romanos aceitam 21 concílios, enquanto os ortodoxos adotam apenas sete.
Ademais, se os concílios fossem infalíveis (independente de serem ecunêmicos ou locais), então teríamos que adotar o cânon bíblico com sete livros a mais, adotado em Hipona e Cartago, que difere tanto de protestantes como de católicos, visto que Cartago adicionou um livro a mais, não presente nas versões católicas aprovadas em Trento, que é o livro de 1ª Esdras[1]. Vale ressaltar que anteriormente o Concílio de Laodiceia já havia, em 364 d.C, deixado de fora todos os apócrifos, à exceção de Baruque[2].
Além disso, temos que lembrar que houve concílios que são mutuamente excludentes por pregarem doutrinas contrárias entre si. Muitos deles pregaram doutrinas duvidosas que não são aceitas nem pela Igreja Católica Romana atual, muito menos pelas igrejas evangélicas. Por exemplo, o cânon I de Niceia (considerado ecunêmico) determina que “eunucos podem ser recebidos entre os clérigos, mas não serão aceitos aqueles que se castram”. Quero ver que igreja protestante (ou mesmo católica) que adota essa postura hoje!
Os evangélicos também não aceitam o Cânon III de Niceia, que proíbe o clero de ter mulher em sua casa, exceto sua mãe, irmã e pessoas acima de qualquer suspeita[3]. E a lista vai longe! Portanto, o evangélico que afirma que Nestório é “herege” simplesmente por ter sido condenado pelo Concílio de Éfeso dá um tiro no próprio pé, pois eles mesmos não seguem muitas ordenanças presentes nos concílios ecunêmicos e que vão frontalmente contra os seus ensinos (e o mesmo vale para o lado romanista).
Tertuliano foi considerado “herege” pela Igreja da época, foi excomungado, se uniu aos montanistas e depois criou o seu próprio segmento religioso, e nem por isso católicos e evangélicos deixam de citar abundantemente os escritos do grande teólogo Tertuliano em todos os seus ensinos. Sendo assim, condenar Nestório como herege pelo simples fato de que parte da Igreja da época e um concílio assim o consideravam, é no mínimo um ato de imaturidade, cometido por “apologistas” principiantes e amadores, que pensam que a Igreja no século V (época de Nestório) pregava todas as doutrinas harmônicas da mesma forma que se encontram nas Escrituras!
Além disso, fica patente o fato de que a Igreja não tinha uma posição "oficial" com relação a isto, e que as opiniões eram divididas isso podemos evidenciar no próprio Concílio de Éfeso. O bispo Celestino, de Roma, se juntou ao lado de Cirilo, que tomou conta do Concílio, abrindo as discussões sem esperar a chegada da já muito atrasada comitiva de bispos orientais de Antioquia, que eram a favor de Nestório. Sendo assim, eles condenaram Nestório sem dar a devida oportunidade para a defesa e para ouvir ambos os lados.
Contudo, conforme o Concílio progredia, João I de Antioquia e os bispos orientais chegaram e ficaram furiosos ao saber que Nestório já havia sido condenado. Eles se reuniram num sínodo próprio e depuseram Cirilo. Ambos os lados apelaram ao imperador e ele inicialmente ordenou que ambos fossem exilados. Porém, Cirilo eventualmente retornou após subornar vários membros da corte imperial[4]! Essa história não é contada por eles, pois eles só contam meia parte da história, ocultando verdades fundamentais que desmentem a manobra deles.
Sobre a segunda questão, Lucas 1:43 não fala absolutamente nada sobre Maria ser “mãe de Deus”. Afirmar isso é ir além daquilo que está escrito (1Co.4:6). O texto bíblico diz apenas “mãe do meu Senhor”, e não mãe de Deus. No grego, a palavra utilizada para “Senhor” é “Kyrios” (kuriou). Este termo, aplicado a Jesus em Lucas 1:43, não é usado para se referir somente a Deus. Vejamos algumas referências a "Senhor" (kuriou) no Novo Testamento sem ser especificamente a Jeová:
1º Os donos de propriedades são chamados Senhor (Mt. 20:8, kurios é "dono" — NVI).
2º Os donos de casas foram chamados Senhor (Mc. 13:35, dono = kurios).
3º Os donos de escravos foram chamados Senhor (Mt. 10:24, senhor = kurios).
4º Os maridos foram chamados Senhor (1 Pe. 3:6, senhor = kurios).
5º Um filho chamou o seu pai Senhor (Mt. 21:30, senhor = kurios).
6º O Imperador romano era chamado Senhor (Actos 25:26, Sua Majestade = kurios).
7º As autoridades romanas foram chamadas Senhor (Mt. 27:63, senhor = kurios).
Portanto, se alguém alega que Lucas 1:43 é alguma "prova" de que Maria é "mãe de Deus", demonstra no mínimo uma grande imaturidade e patente falta de conhecimento bíblico.
E, finalmente, sobre a terceira questão, não existe nenhuma evidência (repito: nenhuma evidência!) histórica que remete aos apóstolos e que nos diga explicitamente que Maria era mãe de Deus. A primeira e maior fonte histórica que remete aos apóstolos que possuímos hoje é o Novo Testamento, o qual faz 39 menções de Maria como sendo “mãe de Jesus” (Christotokos), mas absolutamente nenhuma de que seja “mãe de Deus” (Theotókos).
O primeiro que pregou Theotókos foi Irineu de Lyon, já no final do século II d.C. O parecer na Igreja não era uniforme com relação a isso, e não temos nenhuma evidência apostólica, ou do século I para início do segundo século AD, que demonstre que os cristãos da época criam em Theotókos. O único registro histórico conservado por um historiador da Igreja primitiva de um discurso feito por um apóstolo neste sentido foi o que Eusébio de Cesareia registrou do apóstolo Tadeu, que disse que Jesus depôs a sua divindade ao se fazer humano:
"E Tadeu respondeu: Agora guardarei silêncio. Mas amanhã, já que fui enviado para pregar a palavra, convoca em assembleia todos teus concidadãos, e eu pregarei diante deles, e neles semearei a palavra da vida: sobre a vinda de Jesus: como foi; e sobre sua missão: por que o Pai o enviou; e sobre seu poder, suas obras e os mistérios de que falou no mundo: em virtude de que poder realizava isto; e sobre a novidade de sua mensagem, de sua humildade e humilhação: como se humilhou a si mesmo depondo e reduzindo a sua divindade, e como foi crucificado e desceu ao Hades, e fez saltar o ferrolho que desde sempre prevalecia e ressuscitou mortos, e como, tendo descido só, subiu a seu Pai com uma grande multidão" (História Eclesiástica, Livro I, 13:20)
Significado de Depor
v.t. e v.i. Pôr de parte, pôr no chão, deixar alguma coisa que se trazia.
Portanto, para o apóstolo Tadeu (que conviveu com Cristo), Jesus depôs (abandonou) a sua divindade ao se tornar homem, sendo crucificado e morto pelos romanos. Daí podemos perceber que Deus não morreu na cruz (pois Deus possui a imortalidade – 1Tm.6:16), mas o homem Cristo Jesus que morreu na cruz, pois Deus não morre! E, da mesma forma que Deus não morre porque é imortal, Deus não tem mãe porque é eterno.
Por isso, sempre pergunto aos católicos: “Deus morreu na cruz”? As respostas são sempre divididas, na maioria das vezes dúbias e contraditórias, e não poucas vezes confusas. A verdade é que eles próprios resistem a dizer que Deus morreu na cruz, pois afirmar que Deus morre é o cúmulo da blasfêmia, nem o diabo crê numa coisa dessas. Mas, se Deus não morre, isso significa que Jesus morreu na cruz como homem. E, se o Jesus que andou aqui na terra era homem como todos nós, então Maria é mãe do Jesus humano, e não de Deus.
Deus morreu na cruz? Deus pode ter mãe? A resposta para ambas as perguntas é um sonoro:"Não"! Desta forma, vemos que as alegações católicas de respaldo para o dogma mariano de que Maria é mãe de Deus não passam de engodos, com apenas “aparência de sabedoria” (Cl.2:23), mas que, ao analisarmos mais de perto, vemos que não passam de “fábulas engenhosamente inventadas” (2Pe.1:16).
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (apologiacrista.com)
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